Confira a transcrição da entrevista com Roberto Perroni: O homem que comandou o IPO da Camargo Corrêa, conta sua trajetória por grandes empresas e dá lições sobre liderança.
Conta um pouquinho para nós desse teu começo da carreira, desde o início, até chegar aqui na Brooksfield.
Eu sou engenheiro civil, formado pela FAAP, com pós-graduação no Politécnico di Milano. Como engenheiro, comecei em obra, tive uma carreira em obra de, aproximadamente, 9 anos. Meu primeiro emprego foi na antiga Gomes de Almeida Fernandes, que agora é conhecida como Gafisa. Que também foi uma grande escola de todo esse mercado imobiliário, excelente profissionais que a gente encontra em diferentes áreas e segmentos, vieram da Gafisa.
Depois, trabalhei em uma outra empresa menor e, quando estava nessa empresa, ganhei uma bolsa de estudos para estudar na Itália, foi quando fiz essa pós-graduação no politécnico de Milão. Na minha volta da Itália, depois de um pouco mais de um ano lá, eu tive um negócio próprio, onde fazia habitações populares para prefeitura. Depois, no momento de mudança de governo, a prefeitura parou de pagar.
A empresa era pequena, não tinha como se sustentar esperando essas alterações do governo, eu decidi voltar para ser executivo de uma empresa. Da Birmann, fui convidado para iniciar um negócio de incorporação imobiliária na Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário (CCDI) e por lá fiquei até 2008.
E você também fez uma grande diferença na CCDI, começando o projeto do que é hoje o São Paulo Corporate Towers, que é a sede da InfoMoney hoje.
É verdade. Nós fizemos um concurso internacional de arquitetura, vários arquitetos estrangeiros participaram, e a gente tinha ideia de fazer um ícone lá. Coloquei um embrião para aquele projeto, que hoje é um dos grandes projetos da cidade.
E o próximo passo?
Na Camargo Corrêa, fui convidado, em 2008, para trabalhar no fundo americano que chamava JER, era um fundo de Washington. No começo de 2009, o mercado já estava começando a sentir que o Brasil não tinha sido tão afetado pelos problemas da crise internacional e já voltamos a negociar com os próprios parceiros que a gente ia fazer negócio em 2008, até numa condição bem melhor do que anteriormente, porque tinha pouca gente que ainda estava com ânimo de voltar a investir rapidamente.
Em fevereiro de 2009, quando estávamos prontos para voltar a investir, fazer os primeiros negócios, o fundador e CEO da empresa, que era o Joe Roberts, descobriu que tinha câncer no cérebro com uma data de vida, tinha um prazo de 6 meses, uma coisa muito triste. E ele resolveu encerrar as atividades que tinha recém-aberto que eram Brasil, México e Oriente Médio. Então, ele queria reorganizar a vida e não só pensando na parte financeira. Em setembro de 2009, a gente acabou fechando a empresa, que foi quando eu fui para CCP - Cyrela Commercial Properties.
Como é que foi trabalhar com o senhor Elie?
Na Cyrela, a principal missão que recebi quando entrei foi para a gente tentar aumentar o número de negócios, fazer crescer o portfólio da empresa. E a experiência de trabalhar com o senhor Elie foi muito interessante, realmente é uma pessoa que inspira demais a gente trabalhando junto, fora a carga de energia que ele traz para toda equipe.
E aí você chegou na Brooksfield. Qual é a Brookfield que o Perroni está?
A Brookfield tem história muito interessante no Brasil, começou há 120 anos atrás, 1899, com a Light, no Rio de Janeiro. Na parte de real estate, a Brooksfield está há mais de 50 anos no Brasil. A empresa é de origem canadense. Os quatro principais braços de atuação da Brookfield no mundo são: real estate, depois energia renovável, a parte de infraestrutura e para private equity.
No Brasil também temos vários segmentos, usinas hidrelétricas, linhas de transmissão, gasodutos de óleo e gás, temos a agropecuária, investimentos de private equity. E na parte imobiliária, nós estamos em vários segmentos dentro da Brookfield, de properties, que eu sou responsável, portfólios de escritórios, os shopping centers e galpões de logística. Temos a Tegla que trabalha com incorporação imobiliária. Então, realmente, o número de diferentes segmentos que atuamos é grande.
Por que investem tanto nos imóveis, shoppings e galpões? O que chama atenção de vocês para o ativo imobiliário?
Quando a gente investe, seja em qual segmento for, a gente procura sempre ter essa visão Prime, tem que ser um projeto especial. Hoje, a gente sem dúvida é o maior proprietário de imóveis triple A no Brasil, todos os prédios são realmente de excelente qualidade. Escritório é o DNA da Brooksfield, onde ela mais investiu, e talvez onde tenha mais sucesso.
Por que o prime é importante?
Primeiro, a concorrência é menor quando se fala de alta qualidade e localização. Se você tiver um produto comum, você compete com o mercado inteiro. Só para dar um exemplo, no segmento de escritório, aproximadamente, 20% só que são considerados classe A ou triple A, quando a gente pensa em São Paulo.
Quais os projetos que a Brookfield fez?
Nós temos alguns prédios que são icônicos na cidade de São Paulo. O WT Morumbi, são duas torres de 50 mil metros quadrados, quase, cada uma, a gente tem uma torre inteira e um andar na outra torre, até com a ideia de ter 51% para ter controle do condomínio, o que é importante para gente controlar os empreendimentos onde nós investimos. Somos donos do Itaú BBA, na Faria Lima, o FL 3500, um prédio icônico. Nós compramos em 2014, um contrato de built to suit com o Itaú.
É verdade que lá tem fundações para fazer um prédio mais alto?
Não só as fundações, mas tem toda a estrutura do prédio, e até um dos andares do subsolo, tem um pé direito duplo, para permitir que se faça uma laje a mais, porque se você for aumentar o andar, talvez vai precisar de mais vagas, até isso já está preparado.
É um prédio de estrutura metálica, o de baixo, com uma das maiores lajes da cidade de São Paulo, cinco mil metros quadrados de laje, algo que faz o prédio ser muito eficiente. Outro exemplo de prédios interessantes são as duas torres em cima do Shopping JK Iguatemi, que a gente chama de torre D e E. São dois prédios que, realmente, estão em cima de um shopping, de altíssima qualidade e que são replicáveis.
A Brooksfield é investidora? Ela não constrói, compra pronto?
A gente tem como estratégia de investimento trabalhar em qualquer segmento de real estate, em qualquer fase do desenvolvimento do projeto. Tem uma tendência e preferência para a gente comprar imóveis prontos, mas depende muito dos ciclos. Hoje, estou olhando, por exemplo, no segmento de galpões de logística, comprar terreno para fazer desenvolvimento.
Você comenta que um dos diferenciais da Brooksfield é esse atendimento ao inquilino. Como é que funciona isso?
A gente tem uma preocupação com o todo. O inquilino que estar sempre feliz e a gente evita dizer o "não", a gente vai buscar soluções. Nós não economizamos em um investimento, se a gente ver que tem um problema no prédio, por menor que seja, a gente quer ver o inquilino sempre satisfeito.
Ainda nesse ponto do inquilino, primeiro um pouco de mercado, eu estava conversando com outra pessoa do mercado corporativo que falou que a vacância, principalmente em São Paulo, para prédios desse tipo, diminuiu bastante.
O que aconteceu foi o seguinte, a gente estava com uma vacância em triple A da ordem de 25%. Nós mesmo, conseguimos alugar muito bem a torre D em cima do Shopping JK, estava inteirinha vazia, a gente alugou ela toda em 2016. Esse prédio a gente comprou vazio, alugamos inteirinho em 2017, mas tivemos que fazer concessões para os inquilinos.
Uma coisa interessante na sua história, desde que você estava na Brooksfield, que você era engenheiro ainda, foi a primeira oportunidade que teve mudar de engenharia para o negócio, foi o Birmann, você comentou. E você já pegou um prédio que estava ainda pouco ocupado e já trouxe uma boa ocupação. Você tem feito isso consistentemente em toda a sua carreira?
Eu e o Rafael Birmann tínhamos terminado algumas obras, estavam praticamente todos os prédios prontos, e ele chamou todos os engenheiros, colocou em uma mesa, eram 30 mais ou menos, e falou "Eu não estou precisando fazer obra agora, eu preciso alugar meus os prédios, e quem se candidata a mudar de rumo?". Eu sempre quis trabalhar no mercado imobiliário, já com a construção era algo muito importante, mas era um pedaço da cadeia. Então eu tivesse oportunidade na Birmann e agarrei.
Mas qual é a dica?
É uma conjunção de fatores, a gente precisa ter, na linha de frente, uma boa empresa de comercialização, que tem a relação com o mercado todo e que entenda toda a concorrência. Você precisa realmente mostrar as qualidades do seu prédio, saber vender de forma adequada, mostrar relação de longo prazo que você tem o inquilino, não estar preocupado apenas em trazê-lo para o prédio e depois vai esquecê-lo. No dia-a-dia, realmente na conversa ser transparente, ser sincero, mostrar o que é melhor, se ele tem um prédio concorrente, nunca querer desmerecer os prédios concorrentes em itens que eles não têm nada a perder para o seu. Acho que é transparência, dedicação e muito suor.
Como você consegue convencer os gringos para onde que vai caminhar? É tudo ao mesmo tempo?
Não, não é tudo ao mesmo tempo, cada segmento tem seu ciclo. Então, a gente olha de forma diferente o ciclo de cada um. E a Brooksfield, pelo fato de estar a 120 anos no Brasil, nós conhecemos o país e confiamos nele.
Na verdade, nos últimos cinco anos, nós investimos muito mais do que estavámos nos cinco anos anteriores durante a crise, porque a gente sabia que o Brasil sempre foi altos e baixos, faz parte da nossa história. Então, nós tivémos a segurança de estar investindo nesse momento de crise e vou dizer que foram vários de sucesso. E algo que aprendi aqui na Brooksfield, que é muito importante ter paciência. O principal veículo de investimento da Brooksfield hoje, para o Brasil, é um fundo de 15 bilhões de dólares. É um fundo especulativo.
O que é fundo especulativo?
Fundo especulativo é quem tem interesse em fazer investimentos de risco, a busca por um retorno maior, mas com investimentos arriscado. É um fundo com investimentos de 7 a 10 anos, então, na verdade, não tem nada do especulativo pejorativo que o mercado muitas vezes entende. Eu estou fazendo um investimento de longo prazo, não estou comprando prédio para vender em seguida, para ganhar algum dinheiro rápido.
Como que é essa relação de você ter oportunidade aqui, ter que apresentar essa oportunidade lá fora e de repente tem outras coisas que faz você pensar que lá parece melhor do que aqui?
A gente tem comitês corriqueiros em que várias pessoas do mundo levam seus projetos, então quando se está no comitê assim é muito interessante, eu participo semanalmente.
No presente, qual é o foco da empresa?
Nós olhamos o mercado ainda com bastante interesse, realmente, a intenção é continuar investindo no Brasil e nosso principal, talvez, pipeline de negócios recente é na parte de galpões de logísticas, na maior parte deles, para fazer o desenvolvimento.
Tem um propósito, uma visão, um princípio da empresa, a visão macro da empresa para esses investimentos? Como vocês estão tratando esse ponto, como é essa coisa dos prédios e a sua relação com a cidade?
Quando a gente fala de fazer relações com a cidade, nesse empreendimento na Marginal Pinheiros, o 17007 Nações, nós estamos construindo uma estação de trem. Então nós sugerimos para o governo do Estado de São Paulo fazer uma estação de trem naquele local, decidimos fazer e doar para a companhia de trem. É uma relação de ganha-ganha.
Então, o propósito da empresa são investimentos?
O propósito da empresa é fazer investimentos de longo prazo e trazer um retorno adequado aos seus investidores, de diferentes segmentos de atuação no mercado. Mas hoje em dia, sem dúvida nenhuma, a sustentabilidade faz parte da agenda dos nossos inquilinos.
Quando a gente fala em negócios, como você orienta a sua equipe? Como você escolhe?
Vai depender muito do movimento de mercado. Antes, tinha muita gente batendo na porta para oferecer, agora batem na porta para comprar nossos prédios. O ciclo mudou.
E como funciona isso? Você vai atrás, eles vem atrás de você? Qual é a ordem dos fatores?
Depende do segmento. Em segmento escritórios, nós temos o mercado todo mapeado. Então, a gente vai discutindo as regiões que vale a pena investir.Muitas vezes, aparece oportunidade que a gente nem imaginava, é mais reativo. Agora, falar de Shopping Center, são poucas oportunidades de que alguém não está lembrando, é um mercado muito bem mapeado, porque não são muitos.
É fácil ou difícil se apegar ao prédio e depois se desapegar?
Eu me apego, chamo de filho.
Qual que é o tamanho da operação da Brooksfield? Tem quantas pessoas trabalhando?
Hoje tem umas 60 pessoas trabalhando aqui no nosso escritório. Uma boa parte delas são de investimentos e a gente tem um foco muito grande na área, acho que para você ter um bom resultado em qualquer investimento que você faz, você tem que comprar bem.
Então, a área de investimentos compra e passa para o outro tocar, mas tem uma cirurgia muito grande. Aí depois, tem toda a parte de administrativa e financeira, que dá todo o suporte para esses dois times e tem um foco muito grande de alavancagem.
Tem pessoas que passaram pela sua gestão que gostam muito de trabalhar com você. Qual é a característica que acha que você traz para eles como fonte de inspiração, em um mundo cada vez mais líquido?
Eu acho que a transparência e a sinceridade com as pessoas é fundamental. Para você ser justo, tem que ser transparente. Não é muito fácil para muitos líderes falarem, admitirem os erros. Também tem muita dificuldade de elogiar quando as pessoas merecem. Eu acho que isso é algo que eu tenho facilidade de fazer com o meu time. E as pessoas têm a liberdade de virem falar comigo, até com críticas, às vezes.
Os sócios e os investidores de vocês querem saber o que está acontecendo com a empresa. Qual que é a estratégia? Como é que funciona na Brookfield isso?
Os investidores que investem nos nossos fundos, eles fazem isso através do histórico no track record da Brookfield, de resultados e desempenho ao longo dos anos e todo seu expertise. Nós temos o poder discricionário, a gente não precisa consultar investidor para cada investimento que a gente vai fazer. A gente tem lá as regras do fundo, que estabelecem quantos por cento eu posso investir nos países target, tem o target de retorno e tem as regras básicas de como será investido, distribuídos em segmentos.
Como está a visão, hoje, do Brasil?
Quando todo mundo estava com medo do Brasil, nós estamos trabalhando em vários segmentos. Agora é muito mais fácil investir aqui do que era três anos atrás, para a Brookfield, pelo menos.
Então a gente tem uma visão muito boa do país, sempre com a visão de longo prazo. As coisas estão melhorando, sem dúvida nenhuma, a gente acha que deve melhorar ainda mais, tem turbulências políticas ainda correndo, mas o cenário é bastante interessante. Nós acreditamos no Brasil e estamos colhendo já frutos de investimentos que a gente fez no momento de crise.
Você está o tempo todo falando com gente do mundo inteiro. Como que está o mundo em geral?
Na Europa, nos Estados Unidos, com os juros estão muito baixos, está difícil encontrar oportunidades que tenham uma rentabilidade adequada para o nosso tipo de investimento. Talvez isso traga uma vantagem para a gente de alguma forma, que ainda consegue oferecer um retorno melhor para os investidores, acho que isso é interessante.
A tecnologia está levando as pessoas cada vez mais a serem mais produtivas. Como a Brookfield vê isso? Como é que essa demanda está vindo por parte de seus Inquilinos? E, de certa forma, como que isso está mudando o perfil de ocupação?
É uma geração nova, diferente, esse ocupante muda de perfil rapidamente agora. E a gente tem que se adaptar a esse tipo de demanda. O RH das empresas tem um poder de decisão hoje, maioria das vezes, mais do que o próprio CEO.
Uma das empresas que ocupa nos prédios, para eles era fundamental ter um espaço na creche. Eles escolheram esse prédio, porque eu tinha uma ponte entre os andares, que é um terraço, e eles queriam um andar baixo por causa das crianças. Então eu tenho, no terceiro andar, um terraço todo cheio de brinquedos e eles fazem a creche das crianças lá. Essas mudanças de costumes agora são brutais, é preciso estar muito atento.
Como é a sua rotina?
Eu sou um pouco workaholic, sou muito noturno na parte do trabalho, sou notívago. Então, chego no escritório entre 8h30 e 9h, saio tarde, entre 20h30 e 21h. Em casa, todo mundo é um pouco notívago, então consigo chegar em casa jantar com a mulher e minhas filhas e, depois que eles vão dormir às 23h da noite, eu pego meu notebook e sempre trabalho um pouquinho.
Algum livro que você está lendo?
Eu gosto muito de ler biografias. Em geral, os livros que eu leio são de histórias reais, é difícil eu ler ficção.
Algum filme que te inspire?
O último filme que eu assisti que me inspirou foi “Estrelas Além do Tempo”, meio recente. Sobre pessoas que estavam sendo menosprezados que conseguiram se destacar de forma brutal, acho isso muito legal.
Algum conselho para os jovens?
Acho que ter a visão a longo prazo. Acho que o jovem hoje está com um pouco de pressa. Lógico que não deve descartar o ganho, mas tem que ter visão de longo prazo. Monta a sua carreira, não pensa no salário por enquanto. Monta sua carreira, pensa com o futuro.
Um recado final para nosso espectador?
Paciência, dinheiro queimando na mão é perigoso, se você consegue começar a investir porquê precisa gastar aquele dinheiro, tem uma cobrança exagerada dos seus investidores e você pode fazer errado. Acho que o fundo imobiliário é um veículo extremamente interessante. Você pode ter os melhores ativos com maior liquidez, eu não tenho dúvida que o fundo imobiliário é o veículo do presente e do futuro. Acho que tem muita gente que pode investir mais nisso.
E como lidar com uma concorrência tão grande?
Você tem que chegar na frente, muitas vezes ter um pensamento um pouco contrário da maioria. Sobre concorrência, a gente tem uma vantagem e uma desvantagem de quando se fala de tamanho. Eu, hoje, se vou olhar um negócio de 1 bilhão de reais, tenho poucos concorrentes. Então, isso é bom, a escala me dá uma vantagem competitiva.